Saúde mental: do estigma à banalização

Não pretendo desconsiderar este novo palco que a saúde mental ocupa nos dias de hoje e compreendo que a tendência para o equilíbrio seja antecedida pela viagem aos extremos.
O tema da saúde mental tem cada vez mais protagonismo, muito presente em testemunhos, notícias e redes sociais. Os números falam por si e há muito que são alarmantes, mas agora parece que estão a ser alvo de maior preocupação e os pedidos de ajuda têm vindo a crescer. Estamos perante um aumento considerável de pessoas em sofrimento psicológico e com enquadramento patológico significativo. A situação atual que vivemos a nível global, seja pela pandemia, crise económica e social ou situação de guerra, tem tido um impacto negativo no nosso quotidiano de uma forma mais ou menos direta e expressiva. Tudo isto parece estar a ter também consequências negativas no nosso bem-estar afetivo e emocional e agora estamos mais alerta para essas questões, embora ainda exista estigma e preconceito. No outro lado do extremo temos o fenómeno mais recente da banalização, talvez fruto deste olhar mais presente e constante sobre a saúde mental. Por exemplo, a tendência para usar termos clínicos de diagnóstico para referir situações do quotidiano com conotação negativa: descrever como bipolar uma pessoa que mudou de opinião de um dia para o outro; dizer que alguém é obsessivo-compulsivo porque prefere ter sempre tudo organizado e arrumado; apelidar de autista alguém mais alheado ou distraído. Mesmo que sirva um propósito meramente figurativo, pode contribuir para um certo menosprezo social da doença mental, para que as experiências de sofrimento psicológico sejam encaradas como trivialidades, potenciando a desinformação e o esvaziamento do efetivo valor de um diagnóstico. Os diagnósticos são condições clinicamente significativas de alguém que está em sofrimento, não são apelidos ou adjetivos. Além disso, o nosso mundo afetivo contempla também emoções que podem ser consideradas negativas, mas que são naturais e enquadradas num funcionamento adaptativo. Nem toda a ansiedade é patológica e nem toda e a tristeza é sinónimo de depressão – uma característica ou um sintoma não equivale a um diagnóstico. Esta banalização atrapalha o entendimento do que é patológico, e dificulta a perceção da necessidade de procurar ajuda. Não pretendo desconsiderar este novo palco que a saúde mental ocupa nos dias de hoje e compreendo que a tendência para o equilíbrio seja antecedida pela viagem aos extremos. Penso que o caminho para lá chegar passa pela informação e sensibilização reguladas pelo rigor clínico e técnico que lhes é devido: para valorizar e compreender o sofrimento psicológico na sua verdadeira dimensão e importância; combater o estigma que ainda existe e favorecer a procura de ajuda atempada; alertar para a importância do investimento na prática clínica de excelência; melhorar as possibilidades e condições de intervenção. Vamos falar sobre saúde mental, sobre o seu valor, sinais de alerta, enquadramentos clínicos e possibilidades válidas de intervenção.