Plano de desconfinamento emocional

Entre a clausura e a liberdade, ficam emoções por digerir, que contam a história do que foi, e ainda é, a vivência desta pandemia.
Fechados em casa por força das imposições da pandemia, o cerco aperta entre as quatro paredes e as emoções andam num turbilhão. Entre fadiga pandémica e stress pós-traumático, a liberdade assume outros contornos na diferença entre vontade e obrigação. A saúde mental ganhou um palco de maior destaque, embora muito esteja ainda por fazer a propósito do seu merecido protagonismo. Felizmente, existe cada vez mais informação sobre estratégias de promoção do autocuidado, como gerir o stress ou lidar com a ansiedade em tempos de pandemia. Contudo, parece que os passeios higiénicos, a manutenção das rotinas dentro de casa, a reinvenção dos tempos livres e os convívios por videochamada parecem já não ser suficientes para alimentar a esperança do “já faltou mais” ou “não vai durar para sempre”. Passámos do pânico ao desânimo, ao longo de um ano que parece pertencer a uma dimensão paralela em que espaço e tempo se configuram de forma estranha. O distanciamento social, as máscaras, a desinfeção das mãos e o recolhimento domiciliário passaram a fazer parte da nossa rotina de tal maneira que os abraços e os sorrisos parecem ser matéria de uma realidade longínqua. Mas continuam cá, tal como a zanga e a frustração, a tristeza e a solidão. Numa altura em que começamos a pensar em desconfinar, a luz ao fundo do túnel já não parece tão distante. Aos poucos, vamos podendo sair de casa, ir às compras e ao ginásio, visitar museus, levar a vacina e pensar em conviver. Muito gradualmente, numa lenta e cautelosa progressão, porque “o bicho ainda anda aí”, e porque assim deve ser por nós e pelos outros. Entre a clausura e a liberdade, ficam emoções por digerir, que contam a história do que foi, e ainda é, a vivência desta pandemia. As nossas emoções também precisam de desconfinar gradualmente e com cautela. Ansiosos por sair de casa, seja pelo êxtase da liberdade ou pelo medo do mundo lá fora, importa escutar o que sentimos. Dar nome e voz ao que sentimos ajuda-nos a reconhecer as nossas necessidades e a estabelecer os nossos limites. O mundo lá fora espera por nós, mas o nosso mundo interno precisa de atenção e cuidado. As nossas sensações e emoções têm um potencial altamente enriquecedor, mesmo as mais negativas, para nos comunicar o estado da arte do que vai cá dentro. Importa dar-lhes expressão e deixá-las sair, com o devido equilíbrio entre aceitação e contenção, num caminho de maior autenticidade connosco e de (re)descoberta do nosso ritmo. A luta, fuga ou tentativa de controlo das emoções podem ser contraproducentes e distanciar-nos das nossas necessidades e desejos. Estamos permanentemente ligados ao mundo exterior e muitas vezes tão desligados do que se passa dentro de nós. Importa reconhecer e validar os nossos estados emocionais, não só na sua frequência, persistência e oscilação, mas também, e sobretudo, no conteúdo do seu significado. Importa expressar e dar lugar ao que estamos a sentir, seja de forma privada ou partilhada, e legitimar o nosso contentamento ou dor – “é ok não estar ok”, na medida em que as emoções negativas também são determinantes na superação dos obstáculos, no luto e no crescimento; também na medida em que são alvo de intervenção quando os recursos internos não são suficientes e é preciso pedir ajuda. Desconfinar as nossas emoções pode trazer-nos uma mensagem de esperança, de capacidade de adaptação, de reinvenção e de fortalecimento da nossa resiliência.