A gestação parental

Refiro-me ao processo evolutivo que vai desde a preconceção, passando por toda a gestação, nascimento e crescimento parentais – sim, dos pais.
A viagem começa no sonho e desejo de ser mãe ou pai. Muito antes da vida adulta, a criança ensaia o papel de cuidar, no simbolismo da procura de identificação, mas muito mais de projeção do seu desejo de ser amparada no colo dos pais. É nesta altura, ou muito antes disso, que começa esta viagem. As memórias e narrativas da nossa história, marcos e marcas, são a matéria do que somos feitos afetivamente. Mesmo as histórias das gerações que nos antecederam são transmitidas no nosso código genético emocional. Já para não falar da cultura, hábitos e costumes que povoam o cantinho onde vamos crescendo. Tudo isto é bagagem que trazemos connosco, livros cheios de história, sacos sem fundo, tralha acumulada e tesouros de valor inestimável. Dar à luz um filho é nascer mãe ou pai além de tudo o que somos enquanto pessoas. Até ao momento em que se começa a vislumbrar a ideia de sermos pais, é pouco provável que isto esteja presente e consciente dentro de nós enquanto fatores de preparação para a parentalidade. Mesmo nessa altura, muitas destas coisas podem nem ser objeto de contemplação imediata, mas certamente que aos poucos vão dando sinal no nosso mundo interno, nem que seja nos seus cantos mais recônditos. Refiro-me ao processo evolutivo que vai desde a preconceção, passando por toda a gestação, nascimento e crescimento parentais – sim, dos pais. Aquele processo paralelo, mais secundário do que deveria ser, à incrível e grandiosa odisseia de gerar, gestar, dar à luz e cuidar de um filho. Do sonho à expectativa, do desejo à insegurança, dúvidas e certezas, muito se começa a sentir quando ainda se está a projetar a ideia de sermos mais do que nós. A viagem pré e pós-natal, por si só, é uma aventura muito singular e única. Esta viagem é feita também do afeto e estrutura emocional dos futuros e recém pais, do caminho que fizeram até ali e do que os move para a frente. Uma nova noção de responsabilidade e maturidade, em mais uma fase de desenvolvimento que a vida nos dispõe e que nós podemos escolher viver. O encontro com o bebé e criança que fomos, o colo que tivemos e os pais que nos acompanharam nesse percurso. O encontro com a própria sombra e a projeção de desejos e angústias, sonhos e anseios. O desejo alimenta o sonho e o medo calibra o sistema de alerta – na medida adequada são ambos essenciais no processo de crescimento da função parental. A expectativa é inevitável e abre caminho para a contemplação dos afetos. A comparação, desde sempre essencial ao processo de identificação, começa a surgir e dá palco à revivência da própria história. Também nós vivemos submersos nos mares do útero materno, portadores das expectativas e projetos dos nossos pais, até que viemos cá para fora, aprender a respirar e sobre o amor nas suas variadas formas. Este bebé e criança que fomos vivem dentro de nós, nas nossas memórias, mas também nas nossas partes mais imaturas e livres. Parece que nesta altura há um contacto mais próximo com tudo isto. Uma parte de nós pode ser bebé outra vez, quanto mais não seja para intuir e empatizar com as demandas e necessidades do nosso outro bebé. Mas também, e não menos importante, para revisitar e explorar a nossa própria infância, a qualidade da proximidade afetiva que tivemos com os nossos cuidadores. Permitir-nos a fazer esta viagem ao passado, sob o olhar da nossa maturidade atual, e aproveitar para ficar lá um bocadinho mergulhados nos afetos, numa experiência de reconhecimento e superação. Para fazermos igual, para fazermos diferente, adequar e adaptar, para fazermos o melhor que conseguirmos nesta incrível aventura de nascermos pais.